
[by Erys Huanna]
"Dispersão
Perdi-me dentro de mim Porque eu era labirinto,E hoje, quando me sinto. É com saudades de mim.Passei pela minha vida.Um astro doido a sonhar.Na ânsia de ultrapassar,nem dei pela minha vida...Para mim é sempre ontem.Não tenho amanhã nem hoje:O tempo que aos outros foge,cai sobre mim feito ontem.
[...]
O pobre moço das ânsias...Tu, sim, tu eras alguém!E foi por isso também.Que te abismaste nas ânsias.A grande ave doirada.Bateu asas para os céus,mas fechou-as saciada.Ao ver que ganhava os céus.Como se chora um amante,assim me choro a mim mesmo:Eu fui amante inconstante.Que se traiu a si mesmo.Não sinto o espaço que encerroNem as linhas que projecto:Se me olho a um espelho, erro —Não me acho no que projecto.Regresso dentro de mim.Mas nada me fala, nada!Tenho a alma amortalhada,Sequinha, dentro de mim.Não perdi a minha alma,Fiquei com ela, perdida.Assim eu choro, da vida.A morte da minha alma.Saudosamente recordo.Uma gentil companheira.Que na minha vida inteiraEu nunca vi... mas recordo.A sua boca doirada.E o seu corpo esmaecido.Em um hálito perdido.Que vem na tarde doirada.(As minhas grandes saudades.São do que nunca enlacei.Ai, como eu tenho saudadesDos sonhos que não sonhei!...)
E sinto que a minha morte —Minha dispersão total —Existe lá longe, ao norte,Numa grande capital.Vejo o meu último diaPintado em rolos de fumo e todo azul-de-agonia.Em sombra e além me sumo.Ternura feita saudade,eu beijo as minhas mãos brancas...Sou amor e piedade.Em face dessas mãos brancas...Tristes mãos longas e lindas.Que eram feitas pra se dar...Ninguém mas quis apertar...Tristes mãos longas e lindas...Eu tenho pena de mim,pobre menino ideal...Que me faltou afinal?Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...Desceu-me n’alma o crepúsculo;Eu fui alguém que passou.Serei, mas já não me sou;Não vivo, durmo o crepúsculo.Álcool dum sono outonal.Me penetrou vagamente a difundir-me dormente.Em uma bruma outonal.Perdi a morte e a vida,E, louco, não enlouqueço...A hora foge vivida,Eu sigo-a, mas permaneço...
[...]
Castelos desmantelados,Leões alados sem juba..."
[by Mário de Sá Carneiro]
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