terça-feira, 27 de novembro de 2007

Segure-se e não caia em dispersão...

Não sinta saudades daquilo que não teve,daquilo que não fez.Não tenha pena de si próprio,não se lamente pelo não ocorrido...Não desperte a angustia em você dizendo sempre que o que ocorreu no passado poderia ser melhor.Pare de dizer que poderia ter sido mais feliz.Não se acaricíe,imaginando contato com aquele ou aquela que nunca terá...Pare de se lamentar.Preste atenção no hoje,mas também não se preocupe tanto com o amanhã.E o ontem esqueça.


[by Erys Huanna]



"Dispersão


Perdi-me dentro de mim Porque eu era labirinto,E hoje, quando me sinto. É com saudades de mim.Passei pela minha vida.Um astro doido a sonhar.Na ânsia de ultrapassar,nem dei pela minha vida...Para mim é sempre ontem.Não tenho amanhã nem hoje:O tempo que aos outros foge,cai sobre mim feito ontem.
[...]
O pobre moço das ânsias...Tu, sim, tu eras alguém!E foi por isso também.Que te abismaste nas ânsias.A grande ave doirada.Bateu asas para os céus,mas fechou-as saciada.Ao ver que ganhava os céus.Como se chora um amante,assim me choro a mim mesmo:Eu fui amante inconstante.Que se traiu a si mesmo.Não sinto o espaço que encerroNem as linhas que projecto:Se me olho a um espelho, erro —Não me acho no que projecto.Regresso dentro de mim.Mas nada me fala, nada!Tenho a alma amortalhada,Sequinha, dentro de mim.Não perdi a minha alma,Fiquei com ela, perdida.Assim eu choro, da vida.A morte da minha alma.Saudosamente recordo.Uma gentil companheira.Que na minha vida inteiraEu nunca vi... mas recordo.A sua boca doirada.E o seu corpo esmaecido.Em um hálito perdido.Que vem na tarde doirada.(As minhas grandes saudades.São do que nunca enlacei.Ai, como eu tenho saudadesDos sonhos que não sonhei!...)
E sinto que a minha morte —Minha dispersão total —Existe lá longe, ao norte,Numa grande capital.Vejo o meu último diaPintado em rolos de fumo e todo azul-de-agonia.Em sombra e além me sumo.Ternura feita saudade,eu beijo as minhas mãos brancas...Sou amor e piedade.Em face dessas mãos brancas...Tristes mãos longas e lindas.Que eram feitas pra se dar...Ninguém mas quis apertar...Tristes mãos longas e lindas...Eu tenho pena de mim,pobre menino ideal...Que me faltou afinal?Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...Desceu-me n’alma o crepúsculo;Eu fui alguém que passou.Serei, mas já não me sou;Não vivo, durmo o crepúsculo.Álcool dum sono outonal.Me penetrou vagamente a difundir-me dormente.Em uma bruma outonal.Perdi a morte e a vida,E, louco, não enlouqueço...A hora foge vivida,Eu sigo-a, mas permaneço...


[...]


Castelos desmantelados,Leões alados sem juba..."



[by Mário de Sá Carneiro]

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